terça-feira, 17 de julho de 2012

DESEQUILIBRIO TERRITORIAL EM SERGIPE


Neilson S. Meneses *

Até os anos 70 do século passado Sergipe era um Estado predominante rural e sua base econômica estava assentada em uma agricultura pouco modernizada e uma industrialização ainda incipiente concentrada em alguns poucos municípios, a exemplo de Aracaju e Estância.
Entretanto a partir desta década, começa um processo de modernização da economia sergipana estimulados pela política industrial da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e pelos efeitos da chegada da PETROBRAS ao Estado. Além disso, nessa década também se inicia um processo de modernização da agricultura sergipana com projetos de irrigação e estimulo a produção de frutas para as recém chegadas agroindústrias de exportação de suco concentrado.
Tudo isto resulta em um processo de urbanização crescente e contribui a redirecionar em boa parte os fluxos migratórios para áreas urbanas do próprio Estado, especialmente para a capital Aracaju, município que recebe o maior número de migrantes.
É no contexto dessa evolução urbana e industrial que se amplia a questão das assimetrias e desequilíbrios territoriais no Estado. Em 1970, mais da metade da população sergipana, 53,9 %, vivia na zona rural, já em 2010, segundo dados do FIBGE, 73,5 % vivia nos centros urbanos, transformando profundamente a realidade do Estado.  Essas transformações aceleradas afetaram, entre outras coisas, a distribuição demográfica e econômica e colocaram em evidência a problemática da centralização versus descentralização e da concentração administrativa versus a proximidade decisória.

            O processo de urbanização contínuo entre 1970 e 2010, apresenta como uma de suas principais características a concentração territorial da população. Segundo dados do censo 2010 (IBGE) 60,2% da população urbana sergipana vive em apenas 5 cidades (Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão, Itabaiana e Estância) com mais de 50 mil habitantes e que representam apenas 5,3% do total de cidades. Três destas cidades (Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão) junto com a cidade de Barra dos Coqueiros formam a chamada grande Aracaju que concentra em seu entorno atualmente (2010) 52,2 % da população urbana do estado
Ocorre também uma concentração em termos de população total, já que em tão somente em 6 municípios, com mais de 50 mil habitantes do Estado (Aracaju, Nossa senhora do Socorro, Lagarto, Itabaiana, São Cristóvão e Estância) concentram-se mais da metade da população 51,1%, segundos dados do censo populacional 2010. Comparado com os dados da década de 70 onde 39,6% da população viviam nos 6 municípios mais populosos, verifica-se que o processo de urbanização tem levado a uma concentração territorial da população, tanto em termos população total, quanto em termos de população urbana, gerando as assimetrias relacionadas à distribuição populacional, que associadas ao processo de transição demográfica que a população sergipana atravessa, tem contribuído inclusive para tendência de surgimento de vazios demográficos na zona rural sergipana.
A exigüidade do território sergipano que não exige percorrer grandes distâncias para chegar até as áreas de concentração econômica e a existência de um sistema de comunicações (estradas) que permite manter bons contatos com estas áreas, inclusive em vários casos mais facilmente com estas que com as demais áreas ou municípios, contribui a manter o desequilíbrio na distribuição espacial da população.
Entretanto as assimetrias não dizem respeito apenas à dimensão demográfica, mas também envolvem a dimensão econômica, sendo as duas dimensões interrelacionadas, já que o fator econômico é dos fatores explicativos da distribuição da população.
No que diz respeito a essas assimetrias queremos ressaltar o fato de que em Sergipe a forte participação da indústria extrativa mineral no desenvolvimento econômico do Estado, nos últimos anos, associada à grande dependência da economia estadual de investimentos públicos, foram fatores importante na ampliação dos desequilíbrios econômicos territoriais, tendo em vista a concentração da riqueza (PIB) nos municípios com maiores vantagens locacionais e que seletivamente receberam maiores investimentos do setor público.  
Alguns exemplos desses municípios privilegiados com a presença de recursos naturais e de investimentos públicos são os municípios de: Carmópolis e Aracaju (petróleo) Rosário do Catete (cloreto de potássio) e Laranjeiras (uréia). A presença de um recurso natural (água) e a localização estratégica também favoreceu a construção, através de investimentos públicos, da usina hidrelétrica de Xingó.
Como exceções dessa realidade estão alguns municípios considerados pólos no Estado, que apresentam dinamismo econômico suficiente para figurar entre os maiores PIBs municipais de Sergipe. Assim, os municípios de Lagarto, Itabaiana, Estância e Propriá, que não contaram até então, com forte presença da indústria extrativa do petróleo ou mineral, conseguem se destacar economicamente, ainda que o desenvolvimento econômico desses municípios também passe por forte investimento público.
            A economia sergipana desde a década de 1970 até os anos mais recentes caracteriza-se por uma dependência direta do poder público, seja em escala federal, estadual ou municipal, devido, por exemplo, a forte presença econômica de estatais como a Petrobrás. Havendo uma redução dos investimentos públicos, ocorre uma redução no crescimento da economia do estado, o que acaba por contribuir para aumentar ainda mais as disparidades econômicas regionais.
            Analisando a realidade do PIB por municípios em Sergipe, encontramos que a evolução do PIB não alterou significativamente o padrão desigual de distribuição espacial da riqueza no Estado de Sergipe, e os desequilíbrios econômicos se mantiveram e inclusive se ampliaram durante o período 1999/2004. Os dados do índice de Williamson calculados por (SILVA et al, Desequilíbrios e desigualdades regionais no Brasil e nos estados brasileiros. João Pessoa: Grafset, 2008) para os estados brasileiros no período de 1999 a 2004, demonstram que o desequilíbrio a nível municipal em Sergipe aumentou neste intervalo de tempo, posto que apresentava um valor de 0,596 em 1999 e ampliou-se para 1,407 em 2004
Os municípios que concentram maiores PIBs são em geral os mesmos desde a década 1970, isto é, além da região da grande Aracaju, os municípios considerados pólos como Estância, Lagarto, Itabaiana e Propriá. Além destes, se destacam economicamente em termos de PIB os municípios que apresentam as vantagens locacionais, em termos de matéria prima que os favorece na localização da indústria extrativa, principalmente do petróleo, tendo como exceção o município de Canindé de São Francisco, que é beneficiado pela localização da usina hidrelétrica.
            Apesar do crescimento do PIB em número maior de municípios a partir da década de 1970, esse crescimento mal distribuído espacialmente, fez com que um maior numero de municípios se destacasse, porém não resultou em redução significativa da concentração do PIB municipal e conseqüentemente dos desequilíbrios territoriais no Estado no período entre 1970 e 2005. Isso indica que as políticas de ordenamento territorial não tem sido eficazes na redução dos desequilíbrios, pelo menos até o período analisado.
É importante ressaltar que o modelo territorial atual sergipano é resultado de um processo de desenvolvimento desigual que historicamente promoveu um ordenamento territorial em que determinadas áreas foram privilegiadas em diversos aspectos (naturais, políticos e principalmente econômicos), gerando assim, condições desiguais de desenvolvimento e resultando no atual desequilíbrio territorial. Isto fica bastante claro quando se analisa o processo histórico de formação territorial e econômica do estado.
Em Sergipe, o processo o processo de formação econômica e social do Estado, obviamente inserido no contexto brasileiro, e baseado em um modelo de desenvolvimento econômico que impulsiona o crescimento econômico concentrado em setores e territórios, contribuiu fortemente para concentração territorial e social do poder econômico e político, gerando obviamente um modelo de desenvolvimento territorial desequilibrado.
É importante ressaltar que o desequilíbrio territorial historicamente está relacionado por um lado a um processo histórico de centralização da gestão dos territórios e por outro a própria lógica de desenvolvimento do sistema capitalista de produção. O crescimento econômico, em especial dentro do sistema capitalista de produção, é um fenômeno polarizado e no sentido geográfico necessariamente desequilibrado (HIRSCHAN apud MARTIN, Desequilibrios Territoriales en España 1800-2000.Zaragoza: Gobierno de Aragon, 2003), entretanto nas sociedades modernas e democráticas esta realidade, acaba gerando uma demanda a favor de maior igualdade. É neste contexto que, advém à importância de buscar, através de políticas públicas, encontrar maneiras de corrigir os desequilíbrios territoriais.
            Ao se pensar em desequilíbrio territorial, a ênfase está principalmente nas diferenças econômicas entre as regiões ou outras parcelas do território. Do mesmo modo quando utilizamos, por exemplo, a expressão disparidade regional se quer transmitir a idéia de desequilíbrio na base econômica, onde uma região ou parcela territorial se destaca em relação às demais devido à existência de vantagens locacionais, associadas às questões políticas, sociais, a presença de recursos naturais e culturais (SILVA et al, Desequilíbrios e desigualdades regionais no Brasil e nos estados brasileiros. João Pessoa: Grafset, 2008).
            Muitas das conseqüências desse processo de desequilíbrio territorial são bastante conhecidas a exemplo das citadas abaixo:
Congestionamentos de áreas centrais - população, riqueza, trafego, infra-estrutura e serviços.
Uso não racional do território – deixa de utilizar de maneira e equilibrada os recursos do território, sejam humanos, econômicos ou naturais.
Dificuldade em possibilitar uma maior homogeneidade da qualidade vida.
Dificuldade no uso sustentável dos recursos naturais e a proteção ao meio ambiente.
Dificuldade á respeito da coesão do conjunto territorial o que pode provocar divergência excessiva entre as partes.
O planejamento territorial tem então como dos seus principais objetivos o de compensar as disparidades regionais existentes. A idéia é que os planos de desenvolvimento territorial estejam pautados na busca por um desenvolvimento sócio econômico mais equilibrado entre as diferentes regiões, como afirma Bilhim (Coordenação intergovernamental de políticas públicas e compensações dos desequilíbrios territoriais: o caso português. Buenos Aires: Anais do XIII Congreso Internacional del CLAD, 2008)  “o ordenamento do território tem como objetivo último garantir o desenvolvimento sustentável, atual e futuro e a qualidade de vida das populações”.
               Para amenizar os desequilíbrios territoriais identificados, aponta-se a execução de um planejamento territorial priorizando compensar as disparidades existentes. Poderia ser inserida nesse planejamento a utilização de indicadores de desigualdades e desequilíbrios territoriais que possibilitem o direcionamento de políticas públicas e os investimentos. A espacialização desses indicadores e a identificação de regiões de planejamento para reduzir os desequilíbrios podem ser consideradas como propostas.
            Outro pensamento se refere às políticas de incentivos a investimentos privados em regiões do Estado onde os desequilíbrios se apresentem mais acentuados e de redução de incentivos em áreas já bem desenvolvidas. Pode ser citada também como sugestão, a criação de um fundo de compensação interterritorial, permitindo a utilização de investimentos públicos em infra-estrutura, serviços, equipamentos e a formação de recursos humanos nas regiões menos desenvolvidas do Estado, incrementando assim, suas poucas vantagens comparativas locacionais.
Do mesmo modo, coloca-se a necessidade de intervenção do poder público através de medidas reequilibradoras e de impulso ao desenvolvimento econômico. Faz-se necessário o investimento em infra-estrutura e serviços, em estímulos a iniciativa privada, na potencialização das cadeias produtivas locais (através da priorização ao desenvolvimento endógeno, isto é no aproveitamento do potencial local do território), o que significa a fomentação da capacidade de iniciativa local e da cultura do empreendedorismo.

* Professor do DGE/UFS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BILHIM, João. Coordenação intergovernamental de políticas públicas e compensações dos desequilíbrios territoriais: o caso português. Anais do XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 4 - 7 nov. 2008
FEITOSA, C. O. As Transformações Recentes da Economia Sergipana: 1970-2005. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, 2007.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censos Demográficos, 1970, 1980, 1991 e 2000. Rio de Janeiro.
___________________. Contagem Populacional 2007, Rio de Janeiro.
MARTÌN, Rafael D. Desequilibrios Territoriales em España 1800-2000. in Politicas Demográficas y de Población.Gobierno de Aragón, Zaragoza, 2003.
SILVA, S. B. de M. e; SILVA, B. C. N.; COELHO, A. S. Desequilíbrios e desigualdades regionais no Brasil e nos estados brasileiros. Grafset, João Pessoa 2008.

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