Neilson
Santos Meneses
DGE/UFS
A evolução da sociedade nas
últimas décadas produziu, em um sentido demográfico, uma ampliação da
longevidade do brasileiro o que tem provocado um aumento do número de gerações
coexistindo em um mesmo período histórico e social (em muitos casos também
corresidindo). O resultado disso se configura na multigeracionalidade que
aflora no contexto de mudanças sócio demográficas, com novos arranjos
familiares, um novo padrão de fecundidade, um crescente processo de
envelhecimento populacional, e por outro lado uma juventude extensiva (jovens
que demoram mais tempo para se emancipar).
Quando a maior longevidade se
converte em demanda por cuidados e a juventude em uma dependência mais longa,
os ganhos com o alongamento da vida e os de poder compartilhar por mais tempo a
convivência com gerações distintas podem se tornar um inconveniente (Ruiz
Coloma, 2012).
Isso é especialmente preocupante
quando nos referirmos à geração de pessoas de idade intermediária que por sua
posição “imprensada” entre duas ou mais gerações pode acabar enfrentando o
desafio de fornecer ao mesmo tempo o cuidado aos filhos, aos pais idosos e em
alguns casos também o suporte aos netos, em especial no contexto da fecundidade
precoce. É o que na literatura especializada tem se denominado por geração
sanduiche (Myller, 1981, Zal, 1993, Mota, 2010, Jesus e Wajanman, 2014).
Essa geração e a multigeracionalidade
também pode ser entendida na perspectiva da transição demográfica, já que antes
eram mais raras famílias multigeracionais e uma vida mais longa não era muito
comum, isto é, a expectativa de vida era mais baixa. Entretanto, entre outras
coisas, a combinação de transformações na fecundidade e mortalidade, junto com
as mudanças no contexto econômico tem possibilitado esse fenômeno.
Não há uma rigidez quanto à faixa
idade que define a geração sanduiche há uma variação entre os diversos autores
quanto à faixa etária que a define, indo desde os 30 anos até 50 anos e mais
(Jesus e Wajanman, 2016). Nesse sentido,
a geração sanduiche pode ser mais bem entendida na perspectiva de sua definição
relacional e de situação, sendo, portanto, “aquela que se posiciona e atua
entre pais idosos e os filhos e netos” (Britto da Mota, 2012).
Essa geração diante das questões
de gênero que ainda se colocam (como maior atribuição da função de cuidar a
mulher) é composta majoritariamente por mulheres, ainda que cada vez mais
homens se insiram nas características desta geração, tendo em vista ser cada
vez mais frequente a recusa quanto à vinculação do cuidado ser obrigação exclusiva
feminina. Além disso, de acordo com o estudo de Jesus e Wajanman, 2016, o
perfil de renda da geração sanduiche indica que a mesma se concentra na faixa
intermediária de renda e a explicação é relativamente simples, os mais pobres
não teriam como arcar com o suporte financeiro para cuidar de idosos e os mais
ricos podem terceirizar, isto é, pagar pelos cuidados.
A geração sanduiche vive o dilema
de se ajustar as responsabilidades familiares, e esses ajustes podem se tornar
mais complexos quando as gerações que demandam cuidados residem no mesmo
domicilio, ou seja, corresidem ou quando a própria geração sanduíche já se
encontra iniciando sua fase idosa o que implica conciliar o inicio da própria
fase de necessidade de cuidados com a responsabilidade de cuidar. Ainda dentro
da complexidade dos ajustes, essa geração diante de uma multiplicidade de novas
experiências, demanda reestruturações relacionais. Por exemplo, “ao tornaram-se
“pais” dos seus próprios pais, os adultos de meia idade experimentam a perda de
suporte da geração anterior, ao mesmo tempo em que devem adaptar-se à
emancipação dos filhos” (Zal, 1993), o que os leva a necessidade de
reestruturar suas relações com gerações descendentes e antecedentes.
Outra característica marcante
dessa geração diz respeito ao trabalho realizado pela mesma, que pode ser
classificado como um trabalho não remunerado e não notado, uma doação do
próprio tempo e tomando-se em conta a concepção de Duran Heras (2012), seria
assim uma espécie novo proletariado ou “cuidadoriado” no dizer da socióloga,
que acrescenta que o trabalho não remunerado, carece de um marco legal próprio
e de reconhecimento em comparação com o trabalho assalariado.
Além disso, cabe destacar outro
impacto das responsabilidades que se impõe a geração sanduiche, qual seja
enfrentar maiores restrições quanto ao tempo e a mobilidade o que segundo Jesus
e Wajanman, 2016, “acaba por limitar o exercício de outros papéis sociais, como
atuar no mercado de trabalho”, o que implica em demanda de regime de trabalho
diferenciado, mais flexível, pois a geração sanduiche necessita de trabalho
para manter a família, porém também necessita de tempo para destinar ao
cuidado. Nesse sentido, se apresenta também a necessidade de maior incentivo à
construção de redes de apoio familiar, de amigos e comunitária, que surge como
alternativa para amenizar a sobrecarga da geração sanduiche.
Estudos também apontam impactos
financeiros e psicológicos para esta geração de pessoas. Do ponto de vista financeiro há um aumento de
gastos destinados ao suporte aos pais, filhos e netos, sendo, entretanto, os
idosos menos onerosos, já que os em geral apresentam uma contrapartida de renda
de aposentadoria. Já do ponto de vista psicológico, segundo Ruiz Coloma, 2012
“a sensação de não conseguir dar conta de tudo provoca culpabilidade e
frustração em muitos adultos que são responsáveis pelos cuidados dos filhos e
dos pais” a sensação é de não fazer nunca o suficiente e de certo sentimento de
culpa. As consequências se revelam no estresse, no bem-estar, na saúde daqueles
que tem que lidar com essa situação.
O cuidado de pessoas dependentes
condiciona a vida de quem cuida, seja do ponto vista positivo com vários
aprendizados de vida (como a melhor compreensão da vulnerabilidade intrínseca a
todo ser humana, a maior consciência sobre limites, a paciência, a
perseverança, a aceitação e valorização maior da própria autonomia e
independência) seja do ponto vista negativo posto que já se demonstrou que
cuidar de pessoas dependentes pode provocar nos cuidadores maiores níveis de
ansiedade, estresse e depressão. O nível de sobre esforço que em geral a
geração sanduiche se vê continuamente submetida gera um significativo nível de
estresse que pode derivar em problemas sérios de saúde (Lopez 2004). Desse modo quando comparada com a população
em geral, a geração sanduiche apresenta maiores chances de ser acometida por
problemas de saúde, o que requer atenção quanto aos limites do cuidado.
Esse contexto não significa
diminuir a importância da cultura do cuidado, da solidariedade, pois a
solidariedade intergeracional é uma forma de defesa, de escudo para todos,
afinal a maneira como cuidamos das pessoas acaba nos definindo como pessoa.
Como se observa o cenário atual
diferente de décadas passadas com novos arranjos familiares (a exemplo das
famílias multigeracionais) da juventude extensiva, do retardamento do casamento
e da maternidade, situações complexas em termos de mercado de trabalho (a
exemplo de empregos precários, instáveis e maior desemprego entre jovens
dificultando sua emancipação) o ganho de longevidade, o crescimento no número
de dissoluções das uniões, tudo isso tem implicado em novos desafios, difíceis
de lidar diante da novidade que representam. Nessa perspectiva entre os
principais desafios atuais se coloca o de conciliar melhor a realização
profissional com a realização familiar, ou seja, como encontrar alternativas
que possibilitem conciliar o viver e o cuidar.
Verifica-se que as relações
intergeracionais não são algo puramente conceitual, senão que fazem parte de
nossa vida cotidiana e a qualidade dessas relações estão muito relacionadas com
a imagem que uma geração tem da outra, daí a importância, por exemplo, de se
construir uma nova percepção sobre o envelhecimento, desmitificando os estereótipos
existentes (Meneses, 2016). Além disso, como nos
informa Marques, Dias e Costa, 2010 “o “viés geracional” é considerado crucial
para a eficiência das políticas públicas no Brasil”, tendo em conta inclusive,
a presente realidade da geração sanduiche e das famílias que se veem
desamparadas frente aos desafios do cotidiano e a necessidade de construção de
estratégias de apoio que se tornam essenciais para um maior desenvolvimento
social.
Apenas uma última observação a
respeito da geração sanduiche no que se refere ao futuro dos novos idosos, enquanto
a atual geração de idosos, espera que sejam seus filhos ou outros familiares
que se ocupem de seu cuidado, a realidade para atual geração intermediária aponta
que serão as instituições públicas e privadas que devem assumir esses cuidados
(Buz Delgado e
Bueno Martínez, 2006), posto que, cada vez menos os filhos estão dispostos a cuidar dos pais
quando estes chegam à velhice, o que revela mais um desafio para a geração
sanduiche.
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